Resumo
Este
relatório fará um apanhado geral sobre o que se passou no processo de Francisco
Alves de Sá, morador de Porto da Folha e autor de um crime hediondo, perfazendo
o nosso réu. Sua posição social, seu trabalho, o motivo pelo qual assassinou,
são efeitos que será discorrido melhor com o passar do texto. As forças
intrínsecas ao caso como a presença do estado associada ao coronelismo, as
personalidades influentes de sua época e sua repercussão será a nossa cerne
nesse estudo. Buscará conhecer melhor o que de fato foi Porto da Folha, o que
de fato foi o sertão, buscando ir do micro ao macro. De um único caso
retirar-mos todas as conclusões necessárias para a compreensão do nosso sertão,
tão afamado e tão caricato em termos de passado. O processo permite que nós
embrenhemos cada vez mais dentro das relações sociais, das relações de poder e
da cultura de violência na qual o sertão está envolto. O réu que foi a júri
popular assassinou com por conta de problemas com as glebas e seus cercamentos.
Palavras-chave:
Réu,
Porto da folha, Sertão, crime.
Introdução
Porto da Folha, pleno sertão
sergipano, acontece um crime que causa polêmica em toda a sua população. Sendo
executado tal crime de maneira tão violenta por conta de uma aparente discussão
banal mobilizou toda a região em torno do ocorrido. A partir de um fato poderá
se revelar de forma bastante acurada as relações sociais, o jogo de poder e a
força que o estado exercia quando acionado, podendo desmentir a ideia vigente
na região do sertão da distância do poder público. A partir de um único crime
poderá se revelar toda uma sociedade. Francisco Alves de Sá, nosso réu será
indiciado pelo tribuna da Comarca de Gararu e seu julgamento envolverá 45
(quarenta e cinco) jurados e marcará a pequena cidade.
Material
e Métodos
O
documento principal no qual toda a pesquisa gira em torno é o processo-crime de
Porto da Folha que tem como réu a Francisco Alves de Sá. Documentação produzida
por pessoas que presenciaram os fatos encontrada e cedida gentilmente pelo
Arquivo do Judiciário de Sergipe e encontrado em excelente estado de
conservação.
A pesquisa
teve como metodologia
a exploração de obras bibliográficas que
fazem referência ao sertão
sergipano, e mais especificamente fazem referência no Município de Porto da
Folha por volta do início do século passado. Foi-se buscado livros em
bibliotecas públicas e acervos pessoais. Bem como artigos de internet visam
enriquecer com suas visões abrangentes sobre a região.
Revisão da Pesquisa
O Processo
Porto
da Folha, primeiro de Janeiro de 1906. Início do ano novo, a cidade como sempre
está demonstrando o seu clima pacato, mas por volta da tarde daquele fatídico
dia o seu povo presenciaria um homicídio cruel e que o deixaria escandalizado.
O seu autor foi Francisco Alves de Sá pertencente a uma das famílias mais
tradicionais da cidade e o seu ato poderá nos revelar muito sobre o sertão
sergipano. Primeiro porque permite adentrar-mos no sistema judiciário de uma
época e notamos aquilo que era aceito e o que não era aceito pela lei e,
consequentemente, pela sociedade, uma vez que as leis mesmo com toda a sua
coerção só tem legitimidade se consentida pelos seus cidadãos, ou ao menos os cidadãos
mais influentes. Posso me deparar também com as relações de poder que são
evidentes no processo, sejam elas regionais, estaduais ou federais. O crime
evidencia como uma sociedade tratava e se o poder público era distante ou
próximo do povo do sertão de Porto da Folha.
O crime
O
crime ocorreu por volta das quatro horas da tarde do dia primeiro de Janeiro,
no sítio denominado João Alves propriedade de José Paes da Silveira. Chegando
ao sítio por volta das quatro horas seu pai Candido de Tal, cujo nome era
Candido Gato, trazia consigo uma espingarda. Pouco tempo depois, logo em
seguida chegou Francisco Alves de Sá. A discussão que havia começado por conta
de um desentimento e afrontas entre Candido Gato e Manuel Marques de Sá,
sobrinho de Francisco Alves de Sá, por conta da disputa por terras. A discussão
entre ambos chegou a tal ponto que se efervesceram os ânimos e travaram segundo
o documento uma verdadeira “luta”, ou seja, aconteceram sérias agressões
físicas. Discorrendo Francisco Alves de Sá, o réu, punhaladas sobre Candido
Gato. Embora ouvisse as súplicas do filho, José Paes da Silveira, que no
momento estava presente para que não matasse seu pai, o réu apoderou-se da
espingarda e desferiu um tiro e depois várias punhaladas. Mediante tão hediondo
crime a população ficou horrorizada e a força pública estadual foi então
acionada e agiu prendendo Francisco Alves de Sá que ainda se encontrará no
local do crime e com as armas usadas e com a vítima ensaguentada ainda ao chão.
O crime foi hediondo Candido Gato havia sido vítima de punhaladas, tiro de
espingarda e, novamente, punhaladas. O fato chocou pela sua brutalidade e a
população ficou estarrecida, embora não demonstra-se durante o processo nenhum
sentimento de revolta popular pedindo o sofrimento imediato do réu. Mas quem
era de fato o réu?
Francisco
Alves de Sá, filho legítimo de Manuel Francisco de Sá e Maria da Conceição,
ambos já falecidos. Tinha cinquenta anos de idade, era casado e tinha como
ofício ser lavrador e que não sabia ler e escrever. Era tido por todos como bom
pai de família. Pode-se perceber com isso que tratava-se de um indivíduo da
camada pobre da população, da camada menos abastada e de origem camponesa,
pertencente as baixas classes de Porto da Folha.
Em
seguida os policiais do quartel de Porto da Folha o prenderam e o recolheram no
cárcere. A cidade inteira entrou em pavorosa, muitos crimes foram perpetuados
em Porto da Folha mas esse causou a indignação pela sua “barbárie”, como atesta
o escrivão interino Manoel Gitirana, e por se tratar da vítima não ser
reincidente criminal como atesta o processo. Em seguida o delegado de polícia
da cidade Antônio José Pereira averiguou o caso interrogando as testemunhas que
foram muitas a começar por Belarmina da Silva filha da vítima, e depois todos
os que estavam presentes no local. Dentre os cidadãos que serviram como
testemunha temos Eugenio Sant’Anna, Afrígio Rodrigues do Nascimento, Antônio
Figueira de Souza, João Fernandes de Brito Sobrinho, Aprígio Rodrigues do
Nascimento entre outros. É interessante notar que as testemunhas do sexo
feminino não sabiam ler e escrever, sintomas da sociedade centrada no
patriarcalismo, pois, não havia sentido em educar as mulheres daquele tempo. O
promotor de Justiça seria Antônio Dantas Rio Branco e o juiz Miguel Alves
Feitoza Filho.
Ao
averiguar melhor o caso, sobretudo analisando a possível participação de
personalidades influentes da cidade e que eram contemporâneas ao ocorrido. No
livro “Porto da Folha: fragmentos da História e esboços biográficos” podemos
refazer parte do contexto em que o crime ocorreu e perscrutar as pessoas
influentes e sua possível participação no cargo. Foram listadas quatro
personalidades que tiveram forte influência em Porto da Folha e que são
contemporâneas ao caso, a primeira delas é Antônio Porfírio de Britto que no
ano do ocorrido tinha 22 (vinte e dois) anos. O que mais chama a atenção é que
desde os 21 (vinte e um) anos de idade Antônio Britto escrevia artigos para
jornais começando com O Luctador; O Nacional; O Monitor; A Semana; O Penedo; O Norte,
de Propriá; e A Idea, da cidade alagoana de Pão de Açúcar e que fica na outra
margem do rio São Francisco. As únicas cópias a que tive acesso foram O Monitor
que na edição de 1890 não era tinha a sua autoria. E o A Idea de Pão de Açúcar
no qual tinha uma edição sua um pouco tardia de 1914. Portanto, posso dizer que
nos jornais encontrados no rico acervo do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe, até o presente momento não dispomos de nenhum artigo de Antônio
Porfírio Britto sobre o caso analisado.
A
outra personalidade é ainda mais emblemática e lembrada até hoje na pequena
cidade, trata-se de Francisco Alves Feitosa mais conhecido como “Sinhôzinho
Bahia”. Ganhou este apelido quando foi fazer na Bahia um curso prático de
Direito destinado a leigos e pelas frequentes viagens que fazia a Salvador. Em
sua época defendeu inúmeras causas litigiosas com relação a posse de terras em
favor da população pobre, pois, era conhecido como temível advogado. Há um acontecimento que podemos
acentuar em sua história. Em suas terras havia muitos jumentos e alguns destes
haviam sido roubados e o meliante, ao ser descoberto, tentou livrar-se da culpa
dizendo ter sido efetuado o delito por ordem do Padre Gonçalo Lima, que era
muito estimado em toda a região. “Sinhôzinho Bahia” acionou a força pública
dando parte na polícia. Mas logo que tudo foi esclarecido a retirou. Podemos
inferir que em Porto da Folha o poder público era muitas vezes acionado mesmo
diante de duas personalidades poderosas e com relevante poder. A presença da
polícia fazia-se notar no início do século XX, ou em outras palavras, o poder
estatal era atuante e nem sempre em favor do mais forte. Entre as questões
defendidas por “Sinhôzinho Bahia” foi a disputa pelas terras do héreu que
levou-o a enfrentar o rico fazendeiro da região Dr. Etelvino Tavares que estava
“invadindo”, ou seja, incorporando as posses de seus vizinhos as suas terras.
Recorreu a Getúlio Vargas, onde enviou um telegrama de oitenta palavras
sintetizando a disputa e reconhecido o direito das pessoas. Mas isso havia
ocorrido quarenta anos depois do mal entendido com o Padre Gonçalo, mesmo assim
demonstra a força do estado atuante na primeira metade do século XX.
O terceiro a se enfatizar seria o Coronel
João José dos Anjos que na época do ocorrido encontrava-se em Porto da Folha
com o posto de 2º Praça. Por ser tio do Coronel Eliézer Santana que tinha
amizade com o Governador Leandro Maynard Maciel assumiu o Comando Geral da
Polícia Militar de Sergipe. Tendo se afastado quando o Governador encerrou seu
mandato, por conta disso retornou a reserva.
O quarto e último contemporâneo de sua época
foi José Gonçalves de Gouveia Lima e que na época do ocorrido teria 23 anos. Sabe-se
que em nas eleições de 1935 apoiando o genro José Teixeira de Souza acabou com
a hegemonia política do grupo ligado a Propriá que se compunha principalmente
pelo coronelismo exercido pelas família Brito e Tavares. O que mais chama a
atenção é que naquele ano um dito Manoel Marques que também era candidato a
prefeitura houvera sido agredido fisicamente no Cartório da cidade. E a partir
de então deixará de apoiar o grupo opositor de Propriá. Seria esse Manoel
Marques o mesmo do nosso processo, sobrinho de Francisco Alves de Sá? Manoel
Marques de Sá foi uma figura importante em Porto da Folha que tem hoje uma rua
com seu nome devido a sua participação política.
E o que podemos falar de Porto da Folha? Para
ser breve devo salientar que Porto da Folha obteve sua emancipação política em
1835 sendo designado como Vila e em 1896 durante a Primeira República foi
elevada de vila a cidade. Tendo mudado de sede entre a atual cidade cognominada
primeiramente, segundo a cultura popular como “curral do buraco” e a Ilha do
Ouro. Porto da Folha iria completar dez anos que havia sido elevada a cidade.
Coronelismo
no caso de Francisco José Alves
Segundo Ibarê Dantas em seu pequeno mais
brilhante livro “Coronelismo e Dominação” constitui o coronelismo tendo uma
tripla fundamentação. Primeiro destaca o âmbito econômico-social, uma vez que o
latifundiário, isto é, o grande proprietário de terras mantêm com seus trabalhadores
camponeses relações de produção não capitalistas. Os trabalhadores são
dependentes ao seu patrão para se sustentarem e para sua própria proteção que
induz ao atrelamento ao coronel. Depois desta existe a dimensão ideológica que
nada mais é do que o controle de informações pelo senhor que se torna a cerne
para preservação de padrões de dominação e manutenção da dependência pessoal
dos trabalhadores. Em terceira e última dimensão temos a política. Segundo
Ibarê Dantas a participação eleitoral da população rural durante o tempo da
República Velha não era tão grande assim como os livros didáticos afirmam e que
muitas vezes essa participação declinou mesmo sendo o Brasil um país
majoritariamente rural. Notamos no autor
uma certos conceitos marxistas que são usados, e nada das escolas culturais de
Chartier ou Ginzburg. Deixo essa observação não para diminuir o trabalho do
professor Ibarê Dantas, longe disso, ele seguia a tendência de sua época, mas
para deixar avisado o leitor sobre a visão e o arcabouço teórico do autor que
difere das tendências historiográficas atuais. Mesmo assim continua sendo uma
obra brilhante. Ibarê Dantas não abandona a noção de que o coronelismo
consistia, no campo político, uma imposição dos senhores entre as massas rurais
e as oligarquias estaduais. Estas por sua vez davam suporte nas votações para
Presidente. O coronelismo que “tendo como objetivo a manutenção da estrutura de
dominação” (DANTAS, 1986) fazia efervescer o mandonismo local para corroer a
sociedade por dentro, agindo como um câncer difícil de expurgar. Embora o
coronelismo tenha aparecido no final do Segundo Império é na Primeira República
que o coronelismo se expande e ganha a configuração que conhecemos hoje.
Mas por que tocar no assunto já famigerado do
coronelismo no decorrente caso? A razão para tal significa a Família da vítima
como as famílias Alves e Sá são famílias tradicionais em toda a região do alto
sertão sergipano e que apesar do coronelismo ser exercido de maneira forte
pelos Brito e pelos Tavares essas famílias também tinham suas relações de
poder. Uma vez acionado o poder estatal e o réu não era uma pessoa influente e
que não tinha os devidos contatos para burlar as leis da justiça. E mesmo que o
réu tivesse seria difícil aplacar o descontentamento popular.
Fim do Caso
No dia 26 de Março de 1907, em Porto da Folha
estando aí reunidos para averiguar o caso os 45 (quarenta e cinco) jurados
presentes, inclusive foi declarado pela justiça que se um deles se ausenta-se
sem motivo justificado teria que pagar 10 (dez) mil contos de réis, quantia
significativa na época. O advogado do réu Luiz José de Souza Lima, o promotor
público interino Bernardo Machado de Meneses Dorea, o
Juiz, o oficial de justiça Antero Dantas Rio Branco. Todas as figuras estavam
presentes para que o julgamento de inicia-se.
Tudo
segue os procedimentos de maneira ordinária. Os advogado apresenta a sua defesa
e o promotor público, isto é, advogado de acusação lança os seus argumentos O
juiz de direito recebe das mãos do escrivão os processos e as questões com os pareceres respectivos do Júri,
declarou a sentença em alta voz na qual o réu Francisco Alves de Sá foi
condenado a vinte e dois anos e nove meses de prisão na cadeia de Aracaju.
Visto o réu está em falta com do artigo duzentos e setenta e quatro do código
penal. O júri entendeu que pela tamanha agressividade do réu a legitima defesa
deveria ser descartada. E o advogado depois de recorrer ao caso não conseguiu
nem a inocência e nem a diminuição da pena de Francisco Alves de Sá.
Conclusão
Um caso, um assassinato, um homem no decorrer
de um ano. Este processo nos infere sobre a importância do poder público mesmo
nas mais afastadas regiões do estado e mesmo nos locais onde o coronelismo era
efervescente. Francisco Alves de Sá ao assassinar Candido Gato estava
correspondendo de uma maneira um tanto pessoal ao conflito de terras tão
pujante no interior brasileiro. Lavrador, pobre e analfabeto a descrição mais
correta de um homem do campo durante não só a Primeira República, mas durante
boa parte do governo de Getúlio Vargas e o período que o livro didático chama
de “Populismo” perpassando a ditadura militar. Não estou querendo aqui
inocentá-lo, vários agente da história toma suas escolhas distintas mesmo vindo
da mesma classe, religião ou região. O seu caso particular é de todo
emblemático para entender as relações de poder no sertão e a importância que
tinha a terra para quem dependia dela para viver e tirar o seu sustento ou
conforto. Tal relevância não é inerente as classes sociais, pois, no sertão a
ascensão se dava de maneira mais fácil naquela época.
Fonte
Arquivo Geral do Judiciário Arquivo
Permanente/TJ/SE. Fundo: PFO. Número Geral: 3032. Subsérie: processo crime;
caixa: 07;
Referências
Bibliográficas
DANTAS, José Ibarê Costa; Coronelismo e Dominação; Editora: UFS;
Aracaju, 1987.
SOUZA, Manoel Alves de; Porto da Folha
: fragmentos da história e esboços biográficos; Porto da Folha, 2009.
“A História de Porto da Folha” Disponível em http://portodafolha.roxer.com/; Acesso
em 29 de Agosto; 14 horas e 43 minutos.